sexta-feira, 8 de maio de 2009

"Educação influencia comportamento homossexual"

Perplexidade Bispo que defendeu o preservativo e a separação de casais em caso de violência chocado com reacções fundamentalistas
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Ilídio Leandro, bispo de Viseu, não retira uma vírgula ao que tem dito e escrito sobre temas polémicos no seio da Igreja Católica.
Lamenta que algumas das suas posições tenham sido reveladas fora do contexto, mas mantém a defesa do uso do preservativo para evitar doenças e da separação de casais em casos de violência doméstica.
Apoia o fim do celibato dos padres e condena o enriquecimento ilícito. Em entrevista ao "Jornal de Notícias" realça a solidariedade de outros bispos, diz não estar a ser perseguido por delito de opinião, mas revela perplexidade pelo "fundamentalismo" expresso por leigos de vários cantos do Mundo.

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Não esperava reacções tão negativas dos leigos às suas posições?
Não desta forma. Sei que há clivagens, muitas vezes por ignorância ou desconhecimento, mas não contava receber tantas mensagens e e-mails de leigos a condenar o que disse ou escrevi. Pessoas que não conheço, inclusive de outras nacionalidades, reveladoras de um fundamentalismo tremendo que eu não pensava existir. Reacções muito violentas que me deixaram chocado. Interrogo-me se não devemos ser todos mais tolerantes.
A Santa Sé pediu-lhe explicações sobre a defesa do preservativo?
Não. Nem estava à espera que isso acontecesse. Na igreja há pluralismo e respeito absoluto pela pessoa humana, pela sua dignidade, pelas suas diferenças e valores.
E os bispos portugueses?
Estive em Fátima quatro dias, num encontro episcopal, e fui tratado com muita amizade e compreensão pelos colegas. Como de resto aconteceu com a comunidade, padres e leigos, da minha diocese. Quem leu o artigo sobre o uso do preservativo reconhece o contexto em que o escrevi.
Que contexto foi esse?
Escrevi o artigo a admitir o uso do preservativo, na linha da doutrina da igreja, para fazer vir ao de cima temas que Bento XVI desenvolveu na visita que fez a África e que os jornalistas ignoraram. A única coisa que causou alarido foi o Papa ter condenado a utilização do preservativo, considerando que a sua distribuição não resolvia o problema da Sida.
A culpa é dos jornalistas?
Na verdade fizeram comigo o que fizeram com o Santo Padre: descontextualizaram a palavra preservativo. Foi um mau serviço, mas não creio que o tenham feito por má fé. O desconhecimento da realidade, leva a que surjam nos jornais, como escândalo ou novidade, coisas que fazem parte da doutrina da Igreja. A culpa se calhar também é nossa por ausência ou deficiente comunicação.
Mas defendeu o preservativo enquanto o Papa o condenava...
Defendi que uma pessoa infectada por doença, que não abdique de ter relações sexuais, mesmo sabendo que há o risco de contaminar ou até provocar a morte do parceiro, é moralmente obrigada a prevenir-se. Isso faz parte da doutrina social da Igreja. O Papa Bento XVI, responsável pela Igreja Universal, tem de apontar o ideal. Não podem esperar que ele diga outra coisa.
Controlar a natalidade com métodos naturais faz sentido hoje?
A Igreja aceita e propõe métodos naturais para uma paternidade e maternidade responsável. Deixa de fora os recursos artificiais. Mas há excepções. Em períodos transitórios, os casais podem usar métodos artificiais de controlo da natalidade, desde que nunca sejam abortivos e tenham sido determinados pelos médicos.
Diz defender uma Igreja para as pessoas do século XXI...
Na Idade Média a Igreja esteve atenta às pessoas da época. O século em que vivemos tem de fazer o mesmo. É preciso ter respostas para as novas realidades.
Não há aqui uma contradição?
Creio que não. Embora a Igreja aconselhe e busque o ideal, nunca vai abandonar quem falha, quem usa a pílula, quem faz o aborto. Estará sempre ao lado das pessoas feridas, caídas e que pela sua fragilidade ou até pela sua falta de formação, não aceitam e acompanham a vida da igreja.
Há dias defendeu o fim do celibato dos padres. Mais uma polémica?
Não é meu propósito. Neste caso, e sempre que me pedem opinião, recorro à doutrina da Igreja. O celibato dos padres, fundado no século XI, já vinha de um hábito e de uma tendência muito anterior, fruto de uma opção radical por Jesus Cristo e por uma consagração efectiva a Deus. Fruto dessa realidade, a Igreja latina, ao contrário das oriental e ortodoxa, mantém essa prática. Essa lei que no século XI se estabeleceu poderá a seu tempo, com uma reflexão profunda e madura, ser alterada.
O tema está em cima da mesa?
Neste momento, não. Mas a seu tempo pode haver alterações.
Poderia ser uma solução para atacar a crise de vocações?
Tenho dúvidas. As igrejas ortodoxa e do oriente, que aceitam homens casados ou que venham a fazê-lo, têm testemunhado que isso não ajudou a resolver o problema das vocações. Ser sacerdote, muito mais do que ser casado ou não, é assumir um estilo de vida ligado a valores intrínsecos e a uma entrega total aos outros.
Há quem defenda a ordenação de mulheres...
Ao contrário do que acontece com os homens, a ordenação de mulheres não tem tradição na Igreja primitiva nem no tempo de Jesus. Fazê-lo implicava uma alteração profunda no seio da Igreja. Esta realidade não significa, no entanto, um menor reconhecimento pela dignidade e igualdade da mulher.
Apoia a separação do casal num cenário de violência doméstica?
Apoio. Mas isso é doutrina. Não é novo. A igreja tem três propostas para os casos em que se verifique violência doméstica: acreditar até ao fim que é possível a reconciliação; aceitar a separação de pessoas e bens temporária ou definitivamente, quando não for possível o reencontro; e, quando por qualquer razão essencial o casamento falhou, aconselha o recurso à nulidade do matrimónio.
A verdade é que já anulou meia dúzia de casamentos...
Sou bispo há dois anos e meio e já assinei meia dúzia de casos. Isto não é apoiar o divórcio, mas aceitar a decisão de anulação determinada pelo Tribunal Eclesiástico. Nesse caso, o homem e a mulher ficam novamente solteiros e podem voltar a casar e a refazer as suas vidas.
Tem levantado a voz contra o enriquecimento ilícito e a injustiça...
É injusta a grande diferença entre ricos e pobres em Portugal. É injusto e imoral que se criem empregos para pessoas que usaram, muitas vezes mal, o seu lugar de gestor público. Muitas vezes para seu benefício e prejudicando o bem comum. E que depois são premiadas com novos empregos e nomeações fictícias para continuarem a ter benesses chorudas, com prendas e luvas acrescidas.
O que deve ser feito?
Denunciar. Denunciar, proclamar valores e dar o exemplo.
Vêm aí três actos eleitorais. Qual deve ser o papel da Igreja?
Alertar para o direito e o dever de votar. É a primeira coisa. Depois, porque o acto de votar pressupõe a formação de uma consciência, cabe a cada um avaliar as propostas dos diferentes partidos. A estes, apelamos a que não deixem escondidas na gaveta propostas que mais tarde, sem aviso, aplicarão com o poder que lhes foi dado pelo povo. Quer revolucionar a Igreja?
Não sou revolucionário. Nem quero. Sinto apenas que a Igreja deve ser prospectiva, estar atenta ao Espírito Santo, combater a neutralidade, aprofundar as propostas de renovação do Concílio Vaticano II e não andar atrás dos outros a apagar fogos.
O protagonismo ajuda a mudança?
O protagonismo é indesejável e desvia da unidade e comunhão. Temos de respeitar a individualidade intrínseca a cada ser humano e fazer tudo para que haja pessoas felizes no século XXI.
O que pensa a Igreja da qual é pastor sobre homossexualidade?
A homossexualidade é uma vivência sexual que não é aquela que a Igreja Católica defende e procura promover entre as pessoas. O que a Igreja reconhece, apoia e estimula é a relação normal para o casal e para a família: a relação entre o homem e a mulher.
É dos que partilha a ideia de que a homossexualidade é um desvio?
Não tenho competência técnica e científica para fazer uma afirmação peremptória sobre essa matéria. Mas existem vários estudos publicados, na sua maioria da autoria de psicólogos e psiquiatras, que têm dedicado boa parte da sua vida a aprofundar estas questões, a sustentar que a educação na infância influencia o comportamento homossexual.
O ambiente familiar é então determinante na orientação sexual...
Segundo alguns especialistas e estudiosos, sim. A educação na infância, o modo de vida das famílias e todo o contexto em que as crianças começam por desenvolver a sua personalidade, ditam o seu comportamento futuro. A vários níveis, inclusive sexual.
Onde fica o factor hereditário da homossexualidade?
A maioria dos psicólogos identifica sobretudo o contexto familiar e a sua influência na orientação sexual dos mais novos. São poucos os que ligam o comportamento homossexual à hereditariedade. Mas não sou redutor nem fundamentalista. Sei que também há muitos casos de médicos que justificam a homossexualidade masculina e feminina com factores de natureza hereditária. Temos de respeitar as duas teses.
Em qualquer dos casos, qual é a postura do bispo de Viseu?
A Igreja, e eu não sou excepção, faz apelo à educação nas famílias orientada para a promoção de valores que salvaguardem o bom ambiente familiar. Uma relação positiva entre o homem e a mulher, um amor profundamente vivido em todo o ambiente que rodeia pais e filhos, seguramente que será um bom exemplo e terá bons resultados na formação integral das crianças e adolescentes a todos os níveis.
Seja qual for a natureza, a homossexualidade é uma realidade...
A exemplo do que já afirmei a propósito de problemáticas que têm a ver com a vida das pessoas, a Igreja defende o ideal. Mas não vira as costas a quem não o segue. Pelo contrário. Em última instância, a Igreja quer que os homens e as mulheres, independentemente das suas opções e comportamentos, sejam pessoas felizes. Todos temos direito à felicidade.

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In "Jornal de Npticias, 08 Maio 2009"

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