sexta-feira, 1 de maio de 2009

“Nós consideramos [o lay-off] uma machadada quase final”

Tem 33 anos, é natural de Santar, concelho de Nelas e é de Santar que se desloca, diariamente, há 13 anos para trabalhar na Peugeot Citröen de Mangualde, onde exerce a profissão de pintor de automóveis. Foi eleito em Fevereiro coordenador da nova Comissão de Trabalhadores da Peugeot-Citroen de Mangualde. Uma eleição que decorreu num período conturbado da maior empregadora do distrito de Viseu, a laborar há 46 anos no concelho, onde já foram mandados embora cerca de 600 trabalhadores. Três meses depois, acompanhado por uma equipa de sete pessoas, admite que mudou o estado de espírito dos colaboradores da empresa, acusados durante anos de serem pouco unidos e hoje reconhece maior “união” depois do seu apelo para se “pensar no colectivo”. Foi talvez a primeira conquista, mas teme pelo futuro da Citroën. Não poupa administração, deputados e governo e só vê uma saída para a recuperação da empresa: “Entendemos que o governo devia olhar para esta empresa como uma situação extrema”. Aceitou conversar com a Rádio Noar e com o Jornal do Centro em vésperas do 1º de Maio, admitindo que as comemorações do Dia do Trabalhador serão, este ano, muito diferentes.
O que é que um representante dos trabalhadores da Peugeot Citroën diz a centenas de operários num primeiro de Maio como este?
Aquilo que temos que deixar aos trabalhadores é palavras como resistência, confiança, mas dizer-lhes para pensarem naquilo que são, que serão e que eram os seus objectivos enquanto trabalhadores e aquilo que deve ser o respeito pela sua posição enquanto operários desta empresa, que durante anos cumprem na íntegra a sua função.
A ideia que fica dos colaboradores da Citroën é que não eram muito unidos. Isso está a mudar?
Está a mudar. O reflexo disso foi o grande momento que tivemos no sábado (18 de Abril) num plenário, no Auditório da Câmara Municipal de Mangualde, em que houve uma grande afluência, onde se percebeu que de facto há problemas muito complicados no seio de muitas famílias.
Estamos a falar de quê?
Estamos a falar de muitos problemas sociais que, num futuro próximo, caso a insistência da empresa em avançar para o sistema de lay-off tão penalizador, venha a ser concretizado. Irá aumentar o problema em grande escala e criar situações muito complicadas em famílias que ali trabalham.
Qual foi o objectivo do último plenário?
O plenário serviu para analisarmos a situação da empresa e para analisarmos e projectarmos as pretensões dos trabalhadores no imediato sobre a questão desta medida tão gravosa como o lay-off e outras questões. Foi o culminar do que temos vindo a pedir para que exista mais união entre os trabalhadores. Daí o nosso apelo de que é necessário pensar no colectivo. Senti bastante apoio e incentivo para, em conjunto com outros colegas que durante algum tempo foram trabalhando à margem desta situação, avançarmos com uma candidatura [para eleger a Comissão de Trabalhadores]. Depois de tantas previsões de que pudessem surgir diversas listas, diversas pessoas com ideias e que gostaríamos que tivessem assumido naquele momento uma candidatura, porque foram pessoas que tiveram responsabilidades em algumas matérias e não se comportaram como fiéis representantes dos trabalhadores. Responderam por eles e não transmitiam o que eles entendiam.
Usaram os trabalhadores para defender os interesses individuais?
Eram comentários que facilmente se ouviam na empresa. Nós sentimos que os trabalhadores queriam uma comissão que estivesse ali única e exclusivamente para os representar.
Hoje a comissão é respeitada dentro da empresa?
Os sinais que vêm são positivos.
A administração da Citroën de Mangualde respeita a Comissão de Trabalhadores?
Eu penso que sim. Até ao momento, temos mantido uma relação cordial na base do respeito, de ouvir as nossas posições. Temos, em muitas situações, pontos divergentes e defendem algumas questões que não serão muito positivas para a empresa, mas existe respeito e isso é importante.
Como é o ambiente dentro da Citroën?
Em tenho 13 anos de empresa e nunca senti um ambiente tão pesado, de tanta preocupação como o que se vive no momento. O nosso trabalho e o nosso empenhamento têm sido exclusivamente de esclarecer as pessoas, porque não havendo conhecimento das coisas pode proporcionar-se um ambiente muito mais negativo. Deve-se falar verdade, é muito melhor receberem uma notícia má na hora pelas pessoas que estão a abordá-lo do que depois saberem que essa situação foi escondida. Queremos falar verdade aos trabalhadores.
O lay-off é o pior momento destes últimos tempos?
É mais um momento mau, muito mau. Nós consideramos uma machadada quase final porque afecta em grande escala a sustentabilidade do trabalhador e da sua família e é grave, quando existiam outras possibilidades de se controlar o problema.
Como por exemplo?
O plano de apoio ao sector automóvel.
Não vos passava pela cabeça que a empresa iria começar a não renovar contratos?
Qualquer trabalhador que vê a abertura dos telejornais com aquele notícia [em Dezembro] e onde vê o director geral da empresa Peugeot Citroën fica ansioso mas, ao mesmo tempo, sente-se numa situação um pouco mais confortável, sentindo que havia um projecto para segurar algum tipo de situação.
A empresa ainda tem possibilidade de vir a aderir ao plano de apoio ao sector?
Aquilo que o Ministério [do Trabalho] nos transmite e o que a empresa transmite, há algum tipo de divergência. Inicialmente o que nos era transmitido pela administração era que estavam disponíveis para avançar para um plano, mas que o ministério rejeitou. Aquilo que foi dito pelo senhor ministro do Trabalho foi que a Citroën nunca tinha apresentado nenhuma candidatura, daí termos solicitado o agendamento de uma reunião ao senhor ministro e à empresa, para perceber quem tinha razão.
E?
Foi-nos transmitido pelo Ministério do Trabalho que a empresa não efectuou nenhuma candidatura e usaram o termo que não podem obrigar a empresa a candidatar-se a este plano. A empresa enveredou por outro caminho que, na nossa opinião, é prejudicial única a exclusivamente para os trabalhadores, que resolve a questão da empresa e que a segurança social nem sequer vai ser envolvida porque os dias de paragens estipulados levam a que não haja essa necessidade (lay-off).
O que respondeu a empresa?
Confirmou que nunca avançou com uma candidatura porque a empresa não garantia os requisitos e nós deduzimos que fosse a situação de ter avançado para uma redução do quadro de pessoal.
O vosso parecer negativo ao lay-off assenta em quê?
O lay-off é uma medida que devia ser usada em situação extremas e hoje em dia é usado de forma banal. O trabalhador só tem a garantia de dois terços do salário e, segundo a garantia de parar em Maio cinco dias, quem paga é o trabalhador. Um trabalhador com 600 euros de salário, nos cinco dias que não esta a trabalhar é-lhe descontado cerca de 140 euros. No final do mês a renovação é de 460 euros que depois irá efectuar descontos sobre este valor. Estes 460 euros estão acima do salário mínimo, logo vai ser ele a assumir esta responsabilidade, o Estado só intervinha se o trabalhador ficasse abaixo dos dois terços do salário mínimo obrigatório. O trabalhador, se parar cinco dias por mês, durante estes seis meses, que tenha uma redução salarial de 200 euros, vai ter 1200 euros de penalização.
"Somos mais uns a ir apelar ao Ministério"
O apoio das entidades fez-se sentir?
Sentimos que não houve apoio, solidariedade e reconhecimento a estes trabalhadores. Ainda este fim-de-semana me cruzei com um trabalhador que saiu há algum tempo e ele disse-me: "ando aqui perdido, sou um profissional [porque é especializado] mas não tenho emprego, continuo a ser um refém destas políticas".
Como foram recebidos no Ministério do Trabalho?
Fomos muito bem recebidos, mas sentimos que somos mais uns a ir apelar ao ministério.
A garantia que chega através dos deputados e dos autarcas, de que a empresa não vai fechar, chega para a Comissão de Trabalhadores?
Não. A expectativa que sentimos também é essa, é confortável ouvirmos, mas temos um presente muito negro e é neste problema [lay-off] que está para ser implementado, que necessitamos da intervenção das pessoas [deputados] que, sendo eleitas pelo distrito, têm responsabilidades acrescidas.
"O Governo devia olhar para a Citroën como uma situação extrema"
O Governo devia ser chamado a intervir?
Estamos a falar de uma situação social, de um problema muito grave que se pode estar a criar, daí não baixarmos os braços. Temos mantido relações com alguns presidentes de câmara. O senhor presidente da câmara de Mangualde e a senhor presidente da Câmara de Nelas têm mostrado uma grande preocupação, nas fazemos um apelo a outros autarcas e a pessoas que têm responsabilidade de intervenção, para ajudarem a encontrar uma forma de evitar situações muito graves.
Qual é a vossa proposta para a saída?
Entendemos que a haver alguma penalização terá que ser para quem infringiu e quem infringiu não foram os trabalhadores, foi esta e outras empresas que utilizam o lay-off depois de despedirem centenas de trabalhadores. A nossa insistência é para que haja abertura e adaptação da própria legislação no sentido de apoiar situações, de apoiar a garantia salarial e do apoio às famílias. Este conjunto de trabalhadores de Mangualde está abandonado por si só, pela empresa, pelo Estado, pelas entidades responsáveis no âmbito social e nós não vamos calar a nossa voz. Existe um clima social muito complicado e os trabalhadores estão fartos de pagar a factura e sinto que vai levar a que sejam tomadas algumas posições necessárias.
O vosso parecer não é vinculativo e o lay-off tudo indica que vai ser implementado. O que se segue?
Consideramos que é uma afronta ao conjunto de trabalhadores. Existe um parecer que deve ser respeitado e devem ser encontradas formas de contornar o problema. Todas as formas de luta estão em cima da mesa, poderemos ter um 1º de Maio muito diferente em Mangualde, mas os trabalhadores estão fartos de levar porrada e não podemos permitir que se continue a assistir a estas injustiças. Os trabalhadores sentem-se quase reféns deste baixo salário oferecido nesta empresa.
Acredita numa medida de excepção?
Entendemos que o Governo devia olhar para esta empresa como uma situação extrema. Deveria ser ajustada esta ou aquela medida às necessidades desta ou adquela empresa. As questões generalistas vão sempre beneficiar alguns e prejudicar outras, se calhar, com mais necessidades. A empresa necessita de outro meio de apoio. O Governo deve olhar para esta situação em conjunto com a administração da empresa. A nós, cumpre-nos alertar para quem tem responsabilidades, daí o nosso apelo para que seja encontrada uma forma de colocar estes trabalhadores, por exemplo, numa situação de formação que seria positivo para todas as partes.
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